Ontem,
eu estava colocando a iluminação na árvore de Natal.
Ainda
não estamos em Dezembro, a árvore já está ficando pronta, e eu ponderava
exactamente a respeito de toda esta antecipação, que pode até ser vista por
alguns como sendo um exagero, principalmente por se tratar de uma casa sem
crianças.
Foi
nesse momento, que o fio eléctrico das pequenas
lâmpadas coloridas, mais grosso que o dos outros enfeites mais
delicados, soltou do seu lugar uma linda bola prateada, grande e muito
brilhante, que foi caindo pela árvore abaixo e provocou uma avalanche de
pequenos enfeites coloridos que já estavam instalados.
Claro
que não foi uma tragédia. Talvez até me tenha dado oportunidade de refazer
melhor alguns dos detalhes e de tornar mais belo ainda aquele conjunto que,
pelo menos a meus olhos, sempre tem uma beleza que me surpreende e sempre
ultrapassa o que eu antecipo.
Optei
por fixar o mais difícil primeiro e instalei sólidamente a iluminação. Depois,
com todo o cuidado, peguei na grande bola prateada e voltei a pendurá-la na
árvore, num lugar que me pareceu acolhedor e seguro para ela.
Na
sua superfície prateada, muito brilhante e lisa, o reflexo distorcido das
agulhas do pinheiro natalício formava desenhos esverdeados, salpicados de
pontinhos brilhantes. E podiam ver-se também manchas azuis das fitas próximas e
de outras bolas, e as minhas mãos mexendo-se pareciam provocar na superfície
curva da grande bola uma sugestão de movimento.
Sendo
esférica, parecia rodar sobre si mesma. E tornou-se inevitável, mesmo à minha
mente distraída, a comparação com o nosso planeta. E quanto mais pensava nisso,
mais a semelhança se tornava notável. Os oceanos a azul, a verde os espaços
verdes. Branquinha na parte superior, reflexo do tecto da sala. E muitas
luzinhas por toda a parte, reflexo das pequenas lâmpadas e dos seus reflexos
noutras bolas da árvore. Parecia o nosso planeta, realmente.
E
era tão grande a semelhança, que me afastei um pouco da árvore e me sentei por
uns momentos no outro lado da sala, olhando para ela com atenção.
Claro
que tinha sido uma coincidência – ou talvez não, não importava muito – mas
aquela bola que caíra tinha feito com que eu olhasse com mais atenção para a
árvore enquanto um todo, e depois com mais minúcia para os seus detalhes. E
nessa semelhança que agora lhe encontrava com o nosso planeta, nasciam
raciocínios inevitáveis sobre como tudo se encontra interligado, e como todos
dependemos de coisas que nos são comuns.
Achei
pequenas as manchas verdes na bola, e lembrei-me do desmatamento e da redução
da superfície vegetal no planeta. Fiz paralelos com os aumentos da seca, e
lembrei-me dos muitos milhões de pessoas que vivem sem água de qualidade, e de
outros milhões que vivem já sem água quase nenhuma. Há poucos Natais, isso não
era assim.
Depois
lembrei-me de represas contendo resíduos venenosos, desabando e destruindo, na
passagem de suas lamas, coisas que nos são fundamentais à sobrevivência.
Matando no imediato, e contaminando para o futuro. E tudo numa dimensão
gigantesca, com um alcance que ninguém previu e que põe em causa os modelos de
controlo que temos.
Fiquei
mais tempo do que esperaria, sentado no meu sofá, e olhando aquele planeta que bem
vistas as coisas, cabe naquela bola da minha árvore de Natal. Estarrecido, vi
como se erguiam ao alto bandeiras criminosas evocando fantasmas e escondendo
ideologias oportunistas, sem esperanças de ganhos reais, apenas vontades de
infligir perdas.
Olhei
mais tempo, e vi guerras disfarçadas de religião. Vi negócios, na escassez em
que deliberadamente são mantidos os empobrecidos, vítimas duma História que alguns tentam reescrever
sem o menor pudor, nem vergonha, nem sentido de verdade.
Não
vi problemas insolúveis. Vi toda uma casta de políticos desnecessários,
burocratas oportunistas sobrepondo-se à humanidade, absurdamente corruptos e
muito distantes da vida real - que é feita de suor e dificuldades, mas também de
superação, sobrevivência e de uma grandiosidade que, na sua maioria, eles desconhecem.
O
que vi foi um planeta inteiro sendo mobilizado, motivado para entrar em guerra outra vez, em vez de incitado
a canalizar as suas forças para a tarefa perfeitamente possível que é o bem
estar de todos. Não consegui abstrair-me do exemplo da bola de Natal. È
evidente que em todos os erros e derrocadas há a oportunidade de corrigir e
melhorar.
E
por fim, regressei à minha árvore de Natal, ali na minha sala, feita com tanta
antecedência.
A
grande bola prateada que me faz lembrar o nosso planeta continua vacilante. Mas
vou fixá-la melhor para que não haja uma
nova derrocada que arruíne tudo o que foi feito antes.
De
qualquer forma, a árvore de Natal, assim com esta antecedência, já fez algo que é precioso para mim: - deu-me
um tempo de reflexão que acho ser cada vez mais necessário, sem pressas nem
pressões, e no qual eu posso tentar distinguir o certo do é errado. Onde posso
separar o que realmente é verdade, daquilo que é a verdade conveniente.
Escolher entre o que realmente são os meus valores, e os valores que querem que eu tenha.
Com
esta antecedência tenho ainda tempo para pensar, e chegar ao dia de Natal liberto
de tudo o que não quero para mim. E no fim do dia 24, quase à meia noite, provávelmente
haverá adultos indignados com o barulho que vou fazer à janela. Vou agitar umas
campainhas, bater com as mãos na mesa imitando o galope das renas e gritar “ Hou… Hou… Hou… Feliz Natal !!! “
Tenho
a certeza que algumas crianças me entenderão, independentemente da idade que
tiverem, ou da língua que falarem os seus pais.