Quando olho,
aqui de casa, vejo de um lado a montanha coberta de mata densa, verde, subindo
sempre. E do outro lado, contornando-a, a cidade estendida a meus pés, espalhando-se
vale abaixo até sumir de vista por detrás de outra montanha verde escura.
E todos os
anos, nesta época, a parte que sobrou da minha alma de criança estremece,
cresce, e acabo assistindo com olhos maravilhados de menino aos
preparativos para o Natal.
As luzes e
os enfeites, assim vistos de longe, na praticidade da minha varanda, são tão
bonitos, tão maravilhosos, que nunca senti verdadeiramente a necessidade de
chegar mais perto.
Foi assim
até um dia, em que o acaso me colocou no centro da cidade, sem carro e com
tempo disponível. Nesse dia aproximei-me vagarosamente, apreciando o momento.
Já estava erguida na praça, como todos os anos, uma grande árvore de
Natal. Não enorme, que a cidade é pequenina, mas grande mesmo assim.
Os preparativos
já iam avançados, já estava firme no seu tripé, e já havia, de um lado e de
outro, sobre uns estrados forrados com pano, algumas caixas de madeira enormes,
embrulhadas como presentes, num gigantesco apelo á tradição de oferecer e
partilhar.
Outras
caixas, menores mas muito grandes , de papelão, também estavam embrulhadas e
amarradas com grandes laços de fitas coloridas, compondo o aspecto dessas
pequenas montanhas de presentes, acrescentando vida e simbolismo á praça.
Eu olhava
para a árvore quando me pareceu ver alguém movimentando-se fortuitamente,
atrás dela. Prestei mais atenção, e vi que se tratava dum senhor já de idade,
que se dirigiu a um dos estrados e lá colocou, no meio das gigantes, uma
pequena caixa de presente com um grande laçarote de fita dourada.
Depois
contornou o estrado e parou, quase se assustando e parecendo muito
surpreendido ao ver-me a olhar para ele.
-Boa noite!–cumprimentei!
-Boa noite!–respondeu-
Ótima, na verdade ! Está tudo ficando muito bonito, não está?
- Está
mesmo, realmente ! – concordei, olhando em redor, enquanto conversávamos um
pouco.
Pouco depois
despedimo-nos, e ele foi embora sempre exibindo um sorriso de puro
contentamento. Estranhando que não houvesse mais ninguém, a não ser nós
dois, acabei por ir embora também, contente por ter estado ali.
A imagem
dele indo embora satisfeito, sorrindo feliz, acompanhou-me durante todo o dia
seguinte, recorrentemente. De tal forma que voltei á noite na esperança de
voltar a encontrá-lo, para podermos conversar mais um pouco, mas não consegui.
Os trabalhos
na praça, entretanto, tinham avançado, desde a véspera, e já se
notavam diferenças. A maior de todas não estava sequer na árvore,
nem na sua iluminação, mas na quantidade de presentes a seu lado, embrulhados
nas cores mais diversas e com laços de fita de todos os tamanhos e feitios.
Eram muitos.
Lembrei-me
do velho senhor colocando furtivamente, de noite, um pequeno presente junto dos
enormes presentes falsos, apenas de enfeite, que ornavam a praça. Agora, esse
pequeno presente, já era apenas um no meio de muitos, impossível de
distinguir qual.
Voltei
muitas vezes, nas noites seguintes, e o número de presentes não parou de
aumentar. E todas as noites apareceu alguém que eu não conhecia, por ali
pairando discretamente, parecendo apreciar os enfeites da árvore e da praça,
com quem sempre acabei trocando algumas palavras, conversando um pouco.
Hoje, tal
como faço todos os anos desde aquela primeira vez, vim até à praça. E mais uma
vez encontrei velhos conhecidos, que cumprimentei alegremente.
Junto aos
enormes presentes falsos montados em cima do estrado, junto á grande árvore de
Natal, já havia outros presentes bem menores, quando cheguei. Não sei se algum
deles é do velho senhor, que nunca mais tornei a encontrar.
Discretamente acrescentei o meu, e quase me assustei quando senti que uma outra pessoa me observava curiosamente. Mas era apenas mais alguém que viera ver os trabalhos da decoração de Natal.
Cumprimentei
a pessoa, com intensa satisfação. Depois saí passeando pela praça, apreciando
tudo.
Mais uns
dias e ela estará enfeitada com todos aqueles brilhos e cores de que a meninada
gosta, e já as luzes piscarão em ritmos aleatórios de alegria e paz,
conferindo á velha praça aquele ar dourado e especial das épocas de festa.
Depois,
alguns dias mais tarde, começarão a escutar-se baixinho, nos altifalantes da
praça, as músicas típicas desta quadra. E haverá anjinhos adejando as
asas brancas, no coreto, em leves movimentos mecânicos.
Sabiamente
iluminados, vai parecer que flutuam no ar enquanto tocam as suas pequenas
liras, e alguns mexerão até as cabecinhas, onde se distinguirão bocas abertas,
cantando, embora todo o mundo saiba que são dos corais da cidade as vozes que
se escutam.
Quando se
passa junto das escolas de música, escutam-se já hoje os ensaios das bandas,
preparando-se para os desfiles próximos, também com temas da quadra.
Nas janelas
dos bares, e nas vitrines das lojas ao redor da praça, abundarão enfeites
luminosos e cordões peludos e brilhantes, de cores garridas, onde bolas
espelhadas coloridas irão refletir luzinhas e velinhas de fingir.
Nos vidros,
e um pouco por toda a parte, mesmo com neve de mentirinha ou com a mais
prosaica das canetas, mais uma vez surgirá escrita uma expressão que não
podemos deixar cair no esquecimento, por ser a mais perfeita tentativa da
humanidade de criar um dia no ano – pelo menos um ! – em que as pessoas falem
de beleza, de amor e de paz:
Feliz Natal !
Que seja um
voto. É o que desejo com sinceridade, também a todos os que me
lerem.
Dezembro de 2008, quase Natal.
Henrique Mendes.
Captou bonito os arranjares do Natal Poeta! É assim também em minha cidade. Brinquei muito. Hoje, ninguém percebe, (ou fingem, sei lá.)É tácito, pego a velha bicicleta e rumo pras roças. Você com a doce ilusão e. sonho bonito do Natal. Eu, também me iludindo com sonhos impossíveis por falta de método!! Que todos os teus natais sejam assim..admirando os anjinhos na suprema felicidade e, cercado de teus afetos! abraços Poeta!
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