sábado, 9 de janeiro de 2016

1 - NATAL de 2008



Quando olho, aqui de casa, vejo de um lado a montanha coberta de mata densa, verde, subindo sempre. E do outro lado, contornando-a, a cidade estendida a meus pés, espalhando-se  vale abaixo até sumir de vista por detrás de outra montanha verde escura.

E todos os anos, nesta época, a parte que sobrou da minha alma de criança estremece, cresce, e acabo assistindo com olhos maravilhados de menino  aos preparativos para o Natal.

As luzes e os enfeites, assim vistos de longe, na praticidade da minha varanda, são tão bonitos, tão maravilhosos, que nunca senti verdadeiramente a necessidade de chegar mais perto.

Foi assim até um dia, em que o acaso me colocou no centro da cidade, sem carro e com tempo disponível. Nesse dia aproximei-me vagarosamente, apreciando o momento. Já estava  erguida na praça, como todos os anos, uma grande árvore de Natal.  Não enorme, que a cidade é pequenina, mas grande mesmo assim.

Os preparativos já iam avançados, já estava firme no seu tripé, e já havia, de um lado e de outro, sobre uns estrados forrados com pano, algumas caixas de madeira enormes, embrulhadas como presentes, num gigantesco apelo á tradição de oferecer e partilhar. 

Outras caixas, menores mas muito grandes , de papelão, também estavam embrulhadas e amarradas com grandes laços de fitas coloridas, compondo o aspecto dessas pequenas montanhas de presentes, acrescentando vida e simbolismo á praça.

Eu olhava para a árvore  quando me pareceu ver alguém movimentando-se fortuitamente, atrás dela. Prestei mais atenção, e vi que se tratava dum senhor já de idade, que se dirigiu a um dos estrados e lá colocou, no meio das gigantes, uma pequena caixa de presente com um grande laçarote de fita dourada.

Depois contornou o estrado e parou, quase se assustando e parecendo  muito surpreendido ao ver-me a olhar para ele.

-Boa noite!–cumprimentei!

-Boa noite!–respondeu- Ótima, na verdade ! Está tudo ficando muito bonito, não está?

- Está mesmo, realmente ! – concordei, olhando em redor, enquanto conversávamos um pouco.

Pouco depois despedimo-nos, e ele foi embora sempre exibindo um sorriso de  puro contentamento. Estranhando  que não houvesse mais ninguém, a não ser nós dois, acabei por ir  embora também, contente por ter estado ali.

A imagem dele indo embora satisfeito, sorrindo feliz, acompanhou-me durante todo o dia seguinte, recorrentemente. De tal forma que voltei á noite na esperança de voltar a encontrá-lo, para podermos conversar mais um pouco, mas não consegui.

Os trabalhos na praça, entretanto,  tinham avançado, desde a véspera, e já se notavam  diferenças.  A maior de todas não estava sequer na árvore, nem na sua iluminação, mas na quantidade de presentes a seu lado, embrulhados nas cores mais diversas e com laços de fita de todos os tamanhos e feitios. Eram muitos.

Lembrei-me do velho senhor colocando furtivamente, de noite, um pequeno presente junto dos enormes presentes falsos, apenas de enfeite, que ornavam a praça. Agora, esse pequeno presente,  já era apenas um no meio de muitos, impossível de distinguir qual.
Voltei muitas vezes, nas noites seguintes, e o número de presentes não parou de aumentar. E todas as noites apareceu  alguém que eu não conhecia, por ali pairando discretamente, parecendo apreciar os enfeites da árvore e da praça, com quem sempre acabei trocando algumas palavras, conversando um pouco.

Hoje, tal como faço todos os anos desde aquela primeira vez, vim até à praça. E mais uma vez encontrei velhos conhecidos, que cumprimentei alegremente.

Junto aos enormes presentes falsos montados em cima do estrado, junto á grande árvore de Natal, já havia outros presentes bem menores, quando cheguei. Não sei se algum deles é do velho senhor, que nunca mais tornei a encontrar.

Discretamente acrescentei o meu, e quase me assustei quando senti que uma outra pessoa me observava curiosamente. Mas era apenas mais alguém que viera ver os trabalhos da decoração de Natal.

Cumprimentei a pessoa, com intensa satisfação. Depois saí passeando pela praça, apreciando tudo.

Mais uns dias e ela estará enfeitada com todos aqueles brilhos e cores de que a meninada gosta, e já as luzes piscarão em ritmos aleatórios de alegria  e paz, conferindo á velha praça aquele ar dourado e especial das épocas de festa.
 
Depois, alguns dias mais tarde, começarão a escutar-se baixinho, nos altifalantes da praça,  as músicas típicas desta quadra. E haverá anjinhos adejando as asas brancas, no coreto, em leves movimentos mecânicos.

Sabiamente iluminados, vai parecer que flutuam no ar enquanto tocam as suas pequenas liras, e alguns mexerão até as cabecinhas, onde se distinguirão bocas abertas, cantando, embora todo o mundo saiba que são dos corais da cidade as vozes que se escutam. 

Quando se passa junto das escolas de música, escutam-se já hoje os ensaios das bandas, preparando-se para os desfiles  próximos, também com temas da quadra.

Nas janelas dos bares, e nas vitrines das lojas ao redor da praça, abundarão enfeites luminosos e cordões peludos e brilhantes, de cores garridas, onde bolas espelhadas coloridas irão refletir luzinhas e velinhas de fingir.

Nos vidros, e um pouco por toda a parte, mesmo com neve de mentirinha ou com a mais prosaica das canetas, mais uma vez surgirá escrita uma expressão que não podemos deixar cair no esquecimento, por ser a mais perfeita tentativa da humanidade de criar um dia no ano – pelo menos um ! – em que as pessoas falem de beleza, de amor e de paz: 

                                                Feliz Natal !

Que seja um voto. É o que desejo com sinceridade,  também a todos os que me lerem.



Dezembro de 2008, quase Natal.

Henrique Mendes.

2 comentários:

  1. Captou bonito os arranjares do Natal Poeta! É assim também em minha cidade. Brinquei muito. Hoje, ninguém percebe, (ou fingem, sei lá.)É tácito, pego a velha bicicleta e rumo pras roças. Você com a doce ilusão e. sonho bonito do Natal. Eu, também me iludindo com sonhos impossíveis por falta de método!! Que todos os teus natais sejam assim..admirando os anjinhos na suprema felicidade e, cercado de teus afetos! abraços Poeta!

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